1. O homem é um animal
irracional, exatamente como os outros. A única diferença é que os
outros são animais irracionais simples, o homem é um animal irracional
complexo. É esta a conclusão que nos leva a psicologia científica, no
seu estado atual de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é
que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o
raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido
que os animais que lhe são inferiores.
2. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários,
sendo absolutamente impossível (exceto no cérebro dos loucos e dos
idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou
justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.
3. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do
instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de instinto reputado
superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira
política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão
de senso estético, ou de bom gosto.
4. A humanidade, ou qualquer
nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de
arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da
humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não
se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se
produzem homens de gênio.
5. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo,
inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem
que haver.
6. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu.
O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.
Fernando Pessoa, in 'Reflexões Sobre o Homem - Textos de 1926-1928'