quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

29 de Março de 2012



Desde o dia 29/03/2012 eu busco alguma maneira de descrever o que eu senti das 21:00 até as 00:00 da própria data. Sozinho, encarando a cegueira e ficando surdo, com nada pra me ajudar além de minhas mãos e minha própria cabeça. Lá estava eu.

O dia no RJ era nublado e com muita chuva. Cheguei ao aeroporto do Galeão com sentimentos distintos: empolgado por realizar o sonho de ver um dos maiores espetáculos da terra e um pouco pensativo pela morte do saudoso Millôr Fernandes (faleceu no dia 28/03). Todos os sentimentos em um só dia. Havia algo reservado? Vendo hoje, 9 meses depois, é fácil dizer que sim.

Sempre fui um grande entusiasta do Pink Floyd. Às vezes acho que segui um caminho contrário. A maior parte dos meus amigos são fãs de carteirinha dos Beatles e seus “dissidentes”. No caminho contrário, acabei me apaixonando pelos acordes de David Gilmour, as letras de Roger Waters, o teclado obscuro de Rick Wrigt e o genial desleixo de Nick Manson. Algo que me deixava hipnotizado e eufórico.

Um descanso, um almoço tranquilo, uma tarde ouvindo o The Wall no celular. E finalmente a ida ao Engenhão. Decidi chegar cedo. Fui “premiado” com um Engenhão ainda vazio e sem filas (apesar de até a hora do início do show o evento não ter apresentado nenhum problemas com filas, tudo muito organizado). Desde a entrada no Engenhão algo que me chamou a atenção: som e projetores. Projetores que eu nunca havia visto e com uma qualidade inacreditável. Um sistema de som que me deixaria procurando algo que, de tão real, eu achei que estava sobrevoando o estádio (o som de Helicóptero no início de ‘The Happiest Day of Our Live’).

Com a pontualidade inglesa, ele iniciou o show às 21 horas. Com educação, uma voz feminina ao fundo dizia que “Roger” não tinha problemas com as fotos/filmagens, “Roger” apenas pedia para que os ‘flashes’ das câmeras fossem desligados para que não atrapalhassem as projeções no telão. Bom, estamos no Brasil, ninguém desligou flash nenhum. Felizmente não interferiu no grande espetáculo.

Empolgado, como de costume, ele iniciaria o show vestido de ditador. Luzes, fogos, e o público de aproximadamente 50 mil pessoas iam à loucura. E eu? Eu estava lá. Encantado. Arrepiado. Com lagrimas nos olhos. Sentindo que aquele era o local certo e a hora certa em que eu deveria estar. O som me deixava arrepiado, as projeções me deixavam hipnotizados. Olhava para o lado e as pessoas estavam boquiabertas, outras chorando, outras abraçadas. Para todo aquele público era mesmo “The Happiest Days of Our Lives”. Fotos? Vídeos? E eu lá me lembrei disso. Se em In The Flesh eu estava arrepiado, logo ao começar The Thin Ice, as primeiras lágrimas corriam no rosto. A homenagem a Jean Charles, o “Nem Fudendo” estampado no telão logo após o questionamento em “Mother”: Mother should I trust the government? A emoção transformada em lágrimas na execução de “Vera” e “Bring The Boys Back Home”. A doçura de Confortably Numb e o seu solo magnífico que ninguém nunca vai executar como David Gilmour. Assim como “Nobody Home”, uma música que poderia definir o que se passava na minha cabeça. São esses alguns sentimentos que eu posso compartilhar com vocês. Quaisquer outras palavras soarão repetitivas. Para o fã do Pink Floyd eu tenho certeza que essas palavras serão suficientes, para quem não é, fica o mistério do que se passa na cabeça de alguém que cresceu ouvindo e sentindo tudo que estes rapazes fizeram pelo rock mundial. No fim do show, o sentimento de “dever cumprido”. Eu tinha uma dívida comigo mesmo. Eu precisava vê-los algum dia. Mesmo que fosse apenas um deles. Mesmo que a banda já tenha acabado há décadas. Mesmo que eu precisasse sacrificar boa parte do meu dinheiro. Tudo que gastei, paguei, valeu a pena. Repetiria se fosse preciso. Loucuras como essa precisam ser mais constantes em um mundo tão previsível.

O público ia deixando o estádio em completa tranquilidade e eu me despedia daquele palco para voltar para a minha cidade e minha rotina. Já estava com saudades daquele dia e nem se passavam 30 minutos que eu havia deixado o Engenhão. Hoje, 9 meses depois, fecho os olhos e imagino o mesmo local. São memórias eternas, algo que eu contarei pros meus filhos, sobrinho e netos. Algo que ninguém poderá tirar de mim.

Foi a realização de um sonho, e mesmo depois dessas linhas ainda é impossível descrever o que eu realmente estava sentindo. O único sentimento que me recordo e que levo até hoje é o de gratidão. Muito obrigado, Roger Waters.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Uma mentira cantada muitas vezes...

Cantada. Isso mesmo. Nos últimos dias parei para pensar em algo que não é novidade no "meio musical", principalmente para quem vive a base de música como eu, e, com certeza, como muitos de vocês. "O executor da obra maior que a obra", não sei bem se é isso. A música e os conceitos musicais mudaram bastante e em pouco tempo, e você estão cansados de saber disso. Mas o que eu quero tratar é de como é complicado fazer trabalho autoral e ser reconhecido por isso, especialmente no Brasil. Vivemos em dias que isso é praticamente impossível se esse reconhecimento não vier com alguma "troca de favores" por trás de tudo. Os casos são simples: em referência a música clássica, até hoje, sabemos quem são os grandes compositores e sabemos as operetas e óperas compostas por eles. Bäch, Chopin, Strauss, Vivaldi, entre tantos outros, possuem uma "discografia" reconhecida mundialmente desde jovens até pessoas mais velhas. Algo que acontece ciclicamente durante o tempo que o trabalho deles foi conhecido por esses jovens e velhos. E os torna, até hoje, ainda bem, em grandes referências musicais para grandes artistas que surgem. O artista morre, a obra fica. E no caso da música, como grandes poetas gostam de se referir, ela não morre. Mas bem no meio disso tudo surge uma preocupação, algo que já esta difundido na música local e que eu tinha medo que chegasse até a música clássica, visto o grande desinteresse da população brasileira pela música. A falta de conhecimento de uma população sobre a música, muito em razão de quem difunde essas músicas para a população. O brasileiro trata a música mais como reality show musical do que como ciência ou sentimento. A música aqui, em 90% dos casos, é uma disputa entre quem canta mais e quem canta menos e quem é mais bonito ou mais feio. Falo isso e muitos irão questionar essa minha afirmação, mas sendo um país de dimensões continentais, como somos, temos pouquíssimas escolas de música. Não há, na educação de base, nada em referência a música. Uma disciplina, uma atividade, um grupo, um coral, nada. Se existe, são poucas e podemos contar nos dedos. O que ainda temos são abnegados que se dispõem a ensinar crianças/jovens/adultos que não tiveram oportunidade a conhecer algum instrumento e, por sorte, que ele consiga ter um bom proveito dessa oportunidade.

O medo é, tanto com o futuro musical desse país, quanto em relação a obra. Em uma propaganda do Hospital Varela Santiago, veiculada nas redes de tv's aqui do RN, a música de fundo executada é uma obra de Fryderyk Chopin: Nocturne No.2 - Op.9 No.2 - em Eb. Um certo dia resolvi ir até o Twitter e na caixa de pesquisa coloquei: Varela Santiago. O que apareceu foram algumas menções ao comercial e a música do comercial, uma em especial a música que segundo o usuário era do Muse. Não tenho nada contra o Muse, inclusive é uma das bandas que escuto frequentemente. Mas a menção me chamou a atenção. Não estou recriminando quem fez a menção. Ele não tem a obrigação de saber de quem era aquela "música". Ele referiu-se justamente porquê no álbum "The Resistence", faixa 5 "United States of Eurasia + Collateral Damage", no final da música, a banda presta uma homenangem a essa obra de Chopin. É bonito a homenagem, e perigosa. Quantas pessoas acreditam que a música é realmente do Muse? É algo que temos difundido na música local, como falei anteriormente. Desde o início da difusão musical nesse país, através das rádios e depois da tv, temos o custume de ouvir músicas e mais músicas interpretadas por CENTENAS de artistas. Mas, curiosamente, o intérprete é sempre mais aclamado do que a obra. Não tenho nada contra os intérpretes, desde que eles identifiquem qual a obra e quem é o autor dela. O fato de interpretar e não mencionar o seu autor e a obra vai aos poucos "matando" quem construiu tudo aquilo em que o intérprete agora se apoia. Ao mesmo tempo, a interpretação em demasia acaba afetando um pouco da criatividade de novos artistas. E para que uma nova gama de bons artistar possa surgir é preciso que essas obras renomadas sirvam como base de renovação para as que serão criadas.

Bäch, Chopin, Strauss, Vivaldi e etc. são executados até hoje e distingue-se logo que a obra ao ser executada é de algum deles. Se um pianista apresenta-se em um local e começa a tocar Chopin, quem conhece vai identificar: essa obra é de Chopin. E com as demais músicas, isso acontece? O Rock sofre na região nordeste com as adptações de letras em suas música originais. E o ouvinte acaba relacionando a música a quem está executando, "matando" assim a verdadeira obra. O próprio artista brasileiro utiliza-se de composições como "Que faço eu da vida sem você", música escrita por Fernando Mendes e interpretada por ele mesmo, mas que ganhou "visibilidade" e até mesmo a "autoria" com Caetano Veloso. Para muitos a música é de Caetano, e eu tenho a opinião de que o próprio Caetano fez muito para que isso fosse difundido, lamentavelmente. Se eu for citar mais exemplos esse texto terá mais 200 ou 300 linhas. Mas a idéia já foi passada. Era sobre o que eu queria escrever. A valorização exacerbada de artistas, o endeusamento, os "reis" e "rainhas" que teimamos em rotular, todas essas coisas mesquinhas acabam matando a obra e o seu autor. E o ouvinte acaba absorvendo apenas o que ouve e o que vê. Mas a música é muito mais do que você ouve ou vêr.

Aprendemos com o tempo que é desnecessário "letrar" uma música. Que mesmo sem letra nenhuma você pode expôr tudo que está sentindo. Eu aprendi isso com David Gilmour. Tantos outros aprenderam com Hendrix, Eric Clapton. Artistas que são referências, que criaram novas obras com a idéia vinda de outros artistas anteriores. É essa renovação que faz do Rock o ritmo que é. É essa falta de renovação e de idéias que faz dos "ritmos" brasileiros o "repeteco" que é. Viveremos eternamente de intérpretes e deixaremos os bons músicos e as boas obras morrerem? Não gostaria disso.

Para finalizar, talvez Chopin, por exemplo, seja reconhecido até hoje com um grande pianista exatamente pela sua estupenda qualidade e sua genialidade. A obra de Chopin é tocada e logo alguém identifica. Independente de quem esteja interpretando. Esta aí, a diferença entre o 'bla bla bla' produzido aqui e a grande obra musical. Talvez a complexidade da obra seja um degrau inalcançável para quem quer ganhar a fama com a obra de Chopin (ou Bethoven, ou Strauss). Talvez só consiga intepretar quem tem prazer ao invés de objetivos financeiros. Talvez seja por isso que nenhum Chimbinha, nenhum Thiaguinho, nenhuma Restart, nenhuma Claudia Leite, nenhuma Ivete Sangalo, consigam interpretar uma obra dos grandes músicos clássicos que citei. Mas é tanto talvez... Que a música seja feita de mais grandes obras e grandes autores e menos por intérpretes e seus trabalhos feitos pela metade. Que o intérprete seja parte da obra e não o expoente.

E sobre a música e suas letras: vai vêr é como dizem por aí mesmo: "Falar? Desnecessário, antiquado. Uma colisão da evolução. Como seu dedo mindinho."

Enaldo Segundo é Estudante de Eng. Florestal e "finge" gostar de música.

sábado, 18 de agosto de 2012

Considerações sobre o período eleitoral e o voto nulo

Agora sim. Desde ontem diversos membros de coligações, cabos eleitorais e etc. movimentam-se no facebook contra o voto nulo. Tudo bem, não anula eleição, não vale de nada e blá blá blá. Mas é uma opção que o cidadão tem (se bem que a melhor opção mesmo era entre ir votar ou não). Eu não confio em ninguém, e aí? Bom, a preocupação maior desses que gritam contra o voto nulo é uma só: o seu dinheiro. Sempre vejo a seguinte desculpa: "se você vota nulo, não pode reclamar se depois um político corrupto rouba o seu dinheiro". A preocupação com uma sociedade um pouco mais saudável, menos ignorante, menos analfabeta (principalmente quando se trata de analfabetismo funcional), entre outras, é escanteada. Na verdade está todo mundo preocupado mesmo é com o próprio bolso, com o próprio salário. O que eu já esperava, tendo em vista a sociedade individualista em que vivemos. Não me espanto com isso. O que eu me espanto é que as pessoas que esbravejam contra o voto nulo não sabem pelo que estão lutando de verdade, ou se sabem, estão se fazendo de loucos. "Vou protestar aqui. Mas não sei o que eu tô fazendo. Mas eu vou protestar. Vai que cola!". A alienação eleitoral fez com que essas pessoas engolissem direitinho a corda dada pelos que estão acima na pirâmide. Essas pessoas realmente acreditam que podem mudar alguma coisa votando em candidato A ou B. Como dizia George Carlin: "Esse país já foi vendido há muito tempo e as merdas que eles mexem a cada 4 anos não significam e nem influenciam em nada". E engraçado que a alienação eleitoral fez com que alguns papéis fossem invertidos. E eu tenho muito medo disso. "Se você não vota, você não tem o direito de reclamar" - Mas, espera aí? É completamente o contrário. Eu não votei em ninguém. Anulei o meu voto. Não interferi em nada. Diferente de você, que foi lá. Votou. E fodeu tudo. "Mas eu não votei em tal candidato que é ladrão", "Mas eu não voto em candidato corrupto". Sabe, algumas vezes na vida a gente precisa assumir a culpa por alguns erros, principalmente erros consecutivos como em períodos eleitorais. Então, independente de você ter votado em figura A ou B, você tem culpa por alguma tragédia administrativa do seu município, estado ou país. É simples, assuma a culpa. Você colabora com candidatos e com o período eleitoral, você está diretamente ligado a isso. Enquanto não assumirmos nosso papel de culpados por toda essa administração LIXO que temos por aí a fora, nada vai mudar. Sabe por que eu falo que temos que assumir a culpa? De onde saem todos esses candidatos? Os corruptos, os estelionatários, os bons candidatos? Saem do nosso dia-a-dia. Eles não aparecem do nada. Saem do seu trabalho, da sua sala na faculdade, da escola do seu filho, da igreja que você frequenta. Saem de locais em que você frequente e as vezes fecha os olhos.

Para finalizar: sabem quando eu vou acreditar que posso mudar alguma coisa votando? Quando todo o trabalho exercido pelo legislativo e executivo forem VOLUNTÁRIOS.
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1- Algumas idéias retiradas, e aprimoradas, de um texto sobre política que já foi postado aqui. Qualquer dúvida vai na barrinha de busca e procura por "Políticos - George Carlin".
2- Livia, escrevi.

A força do presente

Marco AurélioFosse a tua vida três mil anos e até mesmo dez mil, lembra-te sempre que ninguém perde outra vida que aquela que lhe tocou viver e que só se vive aquela que se perde. Assim a mais longa e a mais curta vida se equivalem. O presente é igual para todos, e o que se perde é, por isso mesmo, igual, e o que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?
Por isso toma sentido, a toda a hora, nestas duas coisas: primeiramente, que tudo, desde toda a eternidade, apre
senta aspecto idêntico e passa pelos mesmos ciclos, e pouco importa assistir ao mesmo espectáculo em duzentos anos ou toda a eternidade; depois, que tanto perde o homem que morre carregado de anos como o que conta breves dias, consistindo a perda no momento presente; não se pode perder o que não se tem.

Marco Aurélio (Imperador Romano), in "Pensamentos"

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Teleantevisão

Meu amigo, sente-se cansado, abatido, desmoralizado, com a consciência de que a vida é vulgar, que nada vale nada?
Acha, permanentemente, que a existência perdeu todos os valores, que não há mais ética, estética, nenhum objetivo mais a atingir?
Sua vista está obnubilada por permanente poluição visual?
O mundo chegou a uma comercialização (vêm aí o trocadilho!) a qualquer preço?

NÃO DESESPERE

Telefone-nos imediatamente e destruiremos logo o seu aparelho de televisão. GRÁTIS!
Sem televisão você será um homem inteiramente novo (ou melhor, velho).
Sem televisão você voltará a ver a vida pelo lado de fora.
Sem televisão seus filhos púberes não aprenderão que o objetivo da existência é parasitar os mais velhos o tempo todo, enquanto lhes colocam o dedo na cara, acusando-os disto, disso, daquilo e sobretudo daquiloutro.
Sem televisão os pais não se defenderão dos filhos botando a culpa na sociedade.
Sem televisão sua mulher não se sentirá mais esmagada pelo machismo e ansiosa "por um tempo", e "por seu próprio espaço".
Sem televisão você não se sentirá mais derrotado se "não levar vantagem em tudo".
Sem televisão seus filhos aprenderão que o erótico não é só transar feito cachorro, e que transa só se realiza plenamente com carinho e motivação psicológica e não apenas com chupões babosos de sapos dendrobatas (sapos-veneno-de-flecha).
E seus filhos, e você mesmo, poderão se livrar desse processo social démodé, serôdio, descambado (dicionário, rápido. Pode ser eletrônico!).

SEM TELEVISÃO SUA CASA SERÁ DE NOVO UM LAR

Via (Millôr Fernandes - http://www2.uol.com.br/millor/)

domingo, 20 de maio de 2012

Daily Míllor - Discurso de Deus a Eva

"...Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia. E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos, arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".
"P.S. - Este discurso do Todo-Poderoso está sendo divulgado pela primeira vez em todos os tempos, aqui neste livro. Nunca foi publicado antes, nem mesmo pelo seu órgão oficial, A BÍBLIA."
"Minha cara,
eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário. O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro. As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las. Foi por isso que eu te fiz. Ele nem percebeu e custará os séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho. Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável. Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre. Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente. Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora. Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensara que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho. Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public-relations, os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.
Nasces sábia, na certeza de todos os teus recursos, enquanto o Homem, rude e primário, terá que se esforçar a vida inteira para adquirir um pouco de bens que depositará humildemente no teu leito. Vai! Quando perguntei a ele se queria uma Mulher, e lhe expliquei que era um prazer acima de todos os outros, ele perguntou se era um banho de rio ainda melhor. Eu ri. O homem e um simplório. Ou um cínico. Ainda não o entendi bem, eu que o fiz, imagina agora os seus semelhantes.
Olha, ele acorda. Vai. Dá-me um beijo e vai. Hmmmm, eu não pensava que fosse tão bom. Hmmmm, ótimo! Vai, vai! Não é a mim que você deve tentar, menina! Vai, ele acorda. Vem vindo para cá. Olha a cara de espanto que faz. Sorri! Ah, eu vou me divertir muito nestes próximos séculos!"

Millôr Fernandes

sábado, 19 de maio de 2012

De novo, mais umas considerações sobre o "preconceito" contra os nordestinos

O nordestino reclama do "preconceito" do pessoal do sudeste, habitantes de cidades do "interior" reclamam do "preconceito" do pessoal da capital, o morador da periferia de uma capital do nordeste reclama do preconceito das pessoas que moram em bairros mais nobre... Lembram do cara do "interior"? Ele agora age preconceituosamente com o pessoal que mora numa comunidade próxima a sua cidade. Pessoas do sitio próximo a comunidade começam a reclamar de atitudes preconceituosas das pessoas da comunidade. E o pessoal do sítio? O pessoal do sítio age preconceituosamente com aquela família que vive a alguns KM de distância do sítiio, no alto da serra...

Só mudam os níveis hierarquicos. A história é sempre a mesma. E vocês que reclamam tanto do "preconceito" com nordestinos e não olham pro próprio nariz. Mas se existe algo que não possui hierarquia é o idiota. Esse você encontra no sul, sudeste, nordeste, no sítio, na cidade, na universidade privada, na universidade pública... "and so on"...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Manual

1. Peitos foram feitos para serem olhados e é isso que nós iremos fazer. Não tente mudar isso.
2. Aprenda a usar a tampa do vaso. Você é uma menina crescida. Se ela está levantada, abaixe-a. Vocês precisam dela abaixada, nós precisamos dela levantada. Você não nos vê reclamando por que você deixou ela abaixada.
3. Domingo = Esportes. É a mesma relação que a lua cheia tem com as mudanças na maré. Deixe estar.
4. Comprar NÃO é um esporte. E não, nunca vamos pensar nisso dessa forma.
5. Chorar é chantagem.
6. Pergunte o que você quer. Vamos ser claros nisso: Dicas sutis não funcionam! Dicas claras não funcionam! Dicas óbvias não funcionam! Apenas diga logo o que você quer.
7. Sim e Não são respostas perfeitas para praticamente todas as questões existentes.
8. Venha falar conosco a respeito de um problema somente se você quiser ajuda para resolvê-lo. Isso é o que a gente faz. Simpatia é trabalho das suas amigas
9. Uma dor de cabeça que dura 17 meses é um problema. Procure um médico.
10. Qualquer coisa que dissemos 6 meses atrás é inadmissível em um argumento. Na verdade, todos comentários tornam-se nulos e vetados após 7 dias.
11. Se você pensa que está gorda, provavelmente você esteja. Não pergunte para nós.
12. Se algo que nós dissemos pode ser interpretado de duas formas, e uma delas faz você ficar irritada e triste, nós queríamos usar a outra forma.
13. Sempre que possível, fale tudo o que você tem a falar durante os comerciais.
14. Cristóvão Colombo não precisou parar para pedir informações, e nem nós.
15. TODOS homens enxergam em apenas 16 cores, assim como as definições básicas do Windows. Pêssego, por exemplo, é uma fruta, não uma cor. Salmão é um peixe. Não fazemos idéia do que é âmbar.
16. Se algo coça, será coçado. Nós fazemos isso.
17. Se perguntarmos a você se há algo de errado e você responde ‘nada‘, nós agiremos como se nada tivesse errado. Nós sabemos que você está mentindo, mas não vale a pena a discussão.
18. Se você fizer uma pergunta para a qual você não quer uma resposta, espere uma resposta que você não queria ouvir.
19. Quando precisamos sair, absolutamente tudo que você usar está bom. Sério.
20. Não pergunte o que estamos pensando, a não ser que você esteja preparada para discutir sobre Sexo, Esportes ou Carros.
21. Você possui roupas suficientes.
22. Você possui sapatos de mais.
23. Eu estou em forma. Redondo é uma forma.
24. Obrigado por ler isso; Sim, eu sei, eu terei que ir dormir na sala hoje, mas saiba você que os homens não se importam com isso, é como acampar.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A disputa das idéias

Robert MusilTemos cada vez mais tipos de ordem e cada vez menos ordem. (...) Depois de todos os esforços do passado, entrámos num período de retrocesso. Vê bem como as coisas se passam hoje: quando um homem importante lança uma nova ideia no mundo, ela é imediatamente apanhada por um mecanismo de divisão, constituído por simpatia e repulsa. Primeiro vêm os admiradores e arrancam grandes bocados, os que lhes convêm, a essa ideia, e despedaçam o mestre como as raposas a presa; a seguir, os adversários destroem as partes fracas, e em pouco tempo o que resta de um grande feito mais não é do que uma reserva de aforismos de que amigos e inimigos se servem a seu bel-prazer. O resultado é uma ambiguidade generalizada. Não há Sim a que se não junte um Não. Podes fazer o que quiseres, que encontras sempre vinte das mais belas ideias a favor e, se quiseres, vinte que são contra. Quase somos levados a acreditar que é como no amor e no ódio, ou na fome, em que os gostos têm de ser diferentes, para que cada um fique com o seu bocado.

Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

sábado, 31 de março de 2012

A Educação Coletiva não Funciona

Aldous HuxleyA nossa política educacional baseia-se em duas enormes falácias. A primeira é a que considera o intelecto como uma caixa habitada por ideias autónomas, cujos números podem aumentar-se pelo simples processo de abrir a tampa da caixa e introduzir-lhes novas ideias. A segunda falácia, é que, todas as mentes são semelhantes e podem lucrar como o mesmo sistema de ensino. Todos os sistemas oficiais de educação são sistemas para bombear os mesmos conhecimentos pelos mesmos métodos, para dentro de mentes radicalmente diferentes.
Sendo as mentes organismos vivos e não caixotes do lixo, irremediavelmente dissimilares e não uniformes, os sistemas oficiais de educação não são como seria de esperar, particularmente afortunados. Que as esperanças dos educadores ardorosos da época democrática cheguem alguma vez a ser cumpridas parece extremamente duvidoso. Os grandes homens não podem fazer-se por encomenda por qualquer método de ensino por mais perfeito que seja.O máximo que podemos esperar fazer é ensinar todo o indivíduo a atingir todas as suas potencialidades e tornar-se completamente ele próprio. Mas o eu de um indivíduo será o eu de Shakespeare, o eu de outro será o eu de Flecknoe. Os sistemas de educação prevalecentes não só falham em tornar Flecknoes em Shakespeares (nenhum método de educação fará isso alguma vez); falham em fazer dos Flecknoes o melhor. A Flecknoe não é dada sequer uma oportunidade para se tornar ele próprio. Congenitamente um sub-homem, ele está condenado pela educação a passar a sua vida como um sub-sub-homem.

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

Ondas de Solidão

Eça QueirósSe possuísse uma canoa e um papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé, desamparado na sua ilha. Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou cinco milhões de seres humanos. Mas, que é isso? As pessoas que nos não interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado. São, verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação. Ora estas ondas, com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson - e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e clássico da solidão.

Eça de Queirós, in 'Correspondência'

A Inconsistência Humana

Aldous HuxleyQue todos os homens são iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é um médico como outro qualquer. Os editores não imprimem todas as obras que lhes chegam às mãos. E quando são precisos funcionários públicos, até os governos mais democráticos fazem uma selecção cuidadosa entre os seus súbditos teoricamente iguais.
Em tempos normais, portanto, estamos perfeitamente certos de que os Homens não são iguais. Mas quando, num país democrático, pensamos ou agimos politicamente, não estamos menos certos de que os Homens são iguais. Ou, pelo menos - o que na prática vem ser a mesma coisa - procedemos como se estivéssemos certos da igualdade dos Homens.
Identicamente, o piedoso fidalgo medieval que, na igreja acreditava em perdoar aos inimigos e oferecer a outra face, estava pronto, logo que mergia novamente à luz do dia, a desembainhar a sua espada à mínima provocação. A mente humana tem uma capacidade quase infinita para ser inconsistente.

Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Quer o amor de sua mulher? Não se esforce tanto!

Nós homens crescemos em um mundo onde a figura do amor romantico é idealizada. Desde crianças aprendemos a ver as mulheres como seres angelicais, puros e sem maldade que precisam de amor, proteção, carinho. Aprendemos erroneamente que as mulheres são o sexo frágil e nós o sexo forte. Por essa razão associamos a conquista da felicidade com a conquista do coração da mulher amada. Crescemos com ilusões e sonhos de romances cor-de-rosa apenas para sermos acordados subitamente de forma violenta pelo mesmo ser angelical que procuramos agradar e queremos ver feliz.

É justamente a mulher amada que muitas vezes acorda o homem para a realidade, agindo de forma ou até mesmo dizendo diretamente a ele que o amor não é o mais importante, que é apenas uma parte, mas não a mais importante. Às vezes, isso é mostrado de forma tão dura que faz parecer que o amor é a parte mais insignificante de um relacionamento. Além de magoado, o homem poderá muitas vezes se sentir humilhado pela mesma mulher que o “acordou para a realidade”, pois ele se sentirá uma criança perto dela, envergonhado por mostrar que ama demais quem apenas vê esse envolvimento emocional e essa necessidade de amar e ser amado, de precisar de sua companhia e seu amor incondicional, como uma fraqueza.

Às vezes acontece o pior. O homem é acordado diversas vezes pela mulher que ama, mas ainda assim não consegue se levantar e teima em voltar a dormir e sonhar com as doces ilusões do amor romantico, pois se esforça em acreditar que sua “cama de rosas” tem mais pétalas do que espinhos. No final, tudo o que resta ao homem apaixonado é despertar mais uma vez de seu sonho cor-de-rosa com marcas e escoriações causadas pelos espinhos da mais bela e delicada rosa.

O fato que ninguém aceita é que apenas os homens são verdadeiramente românticos. As mulheres, infelizmente, são seres mais visuais e sociais (se quiser, pode entender isso como futilidade). Como nos ensina Nessahan Alita, elas não amam em simples retribuição ao fato de serem amadas.
Esse tipo de conhecimento nos revolta e muitas vezes preferimos fechar os olhos e mais uma vez dormir em nossa cama de espinhos, sonhando com um amor intenso, perfeito, incondicional. Nossa não aceitação nos impede de acordar para a realidade e nos torna eternos prisioneiros da Matrix, que é justamente esse mundo de ilusões que escolhemos para viver, um mundo perfeito e idealizado que justamente por não condizer com a realidade apenas acaba nos levando ao sofrimento.

Sair da Matrix não é uma coisa fácil. Não bastam apenas os espinhos da realidade que muitas vezes nos atormentam para que consigamos sair da Matrix. Muitas vezes nem mesmo a consciência lógica dos fatos é capaz de nos livrar da Matrix. Para a maioria dos homens a única saída da Matrix é a morte. É comum vermos homens cairem cada vez mais por causa da Matrix, se rebaixando cada vez mais, se embriagando sempre, se tornando agressivos ou cafajestes, usando drogas ou, até mesmo, se valendo do suicídio. Para sair da Matrix não basta apenas o conhecimento de que ela é real, mas sim a morte do ego. O homem precisa morrer em si mesmo. Precisa eliminar sentimentos negativos como paixão, ódio, ciúmes, posse, medo, vaidade… Mas para isso é preciso muito estudo, muita reflexão, força de vontade, oração etc.

O apaixonado é visto como fraco e débil por aquela que ele ama. Nenhum de seus esforços será bem recebido. A mulher não quer alguém mendigando migalhas de amor e carinho. Sua visão distorcida a faz enxergar sentimentos nobres como o amor incondicional e seus aspectos como devoção e a necessidade de sua companhia como fraqueza e não existe nada que uma mulher odeie e despreze mais do que a fraqueza masculina.

Tudo o que você fizer será visto como pouco, por mais que você se esforce. Ela não te ama da mesma forma que um dia amou um ex-namorado e provavelmente nunca amará. Não importa que você sempre ligue para ela, dê seu apoio em todas as decisões que ela faça, a ajude em momentos de dificuldade, seja o ombro sempre presente quando ela precisar chorar, a acorde de manhã com beijos e uma bandeja com flores e café-da-manhã, cozinhe para ela, dê presentes, cante pra ela ou até mande um dia para ela parte da mais linda música que um dia começou a escrever para ela. Ela dará mais valor a um ex-namorado que nunca fez nada por ela apenas pelo fato dele ter um corte de cabelo ou usar roupas que a agradem mais. Talvez ela até critique sua aparência, diga que te ver do jeito que você está a faz perder todo o tesão por você, que está desanimada com o relacionamento. Por que isso? Porque não importa o tanto que você a agrade, ela irá sempre preferir um ex-namorado que nunca moveu um dedo simplesmente por ele ter uma aparência que siga mais os padrões da mídia, mesmo que ele seja assim simplesmente porque talvez seja um metrossexual cafajeste que gaste dinheiro em cremes hidratantes e tenha conta em lojas de roupas para estar sempre bem arrumado e bonito para atrair a atenção de outras mulheres.

Cruel? Talvez. Mas como disse neste artigo, mulheres são seres extremamente visuais e sociais. O amor é o que menos importa para elas pois elas mesmas não entendem o que é o amor. Seus esforços para ela são como uma molécula de poeira quando comparados a um corte de cabelo ou ao elogio de amigas anencéfalas. Inevitalmente em um relacionamento descobrimos que nunca teremos a mesma importância na vida de quem amamos que teve um dia um estranho que não fez nada, apenas causou um impacto visual positivo. Não teremos jamais a mesma importância, a mesma influência, o mesmo reconhecimento, a mesma admiração. Seremos apenas o cara que está do lado, uma obrigação social, um desagradável que deve mudar por ela e aprender a ser mais como o ex que foi o cara perfeito, apesar desse ex apenas ter tido a intenção de desfilar com uma moça bonita para os amigos moderninhos fúteis. Nossos valores, nossos gostos, nossas músicas, nossos livros, nossas opiniões? Isso não vale nada! Somos apenas os anormais com gostos estranhos que devem aprender a mudar e ser mais normais. No final perceberemos que elas até lutam para não assimilar nada do que temos e que por mais que nos esforcemos nunca seremos como um ex.

No final nem mesmo sua opinião em relação a tudo isso importa. Ela provavelmente verá como uma ofensa, como algo que a magoa ou até mesmo como fraqueza sua. Ela nunca aceitará que o fato de um dia ter te dito que quando ela estava com o ex o amou mais do que te ama hoje é algo inaceitável e que realmente magoa. Pior do que isso, é uma das poucas coisas que pode até mesmo acertar um homem que saiu da Matrix por se tratar também de uma das maiores humilhações que um homem pode receber. Homens, por natureza, são territorialistas. Querem ser mais em tudo, querem ser admirados, amados, receber toda a atenção e, obviamente, querem ser muito mais em tudo do que qualquer um tenha sido no passado e realmente não importa se ela amou um ex mais no passado mas não o ama mais hoje, o que importa é que um dia ela já amou alguém mais do que te ama hoje e é inaceitável para qualquer homem, aliás, para qualquer pessoa, que a pessoa que está ao seu lado tenha um dia visto alguém com mais amor, mais carinho e mais importância do que te vê hoje. Isso significa que ela não te ama como poderia e deveria amar, que não te ama de forma incondicional, que não te ama com todo o amor que tem em si e você é insignificante perto do que outro homem um dia foi para ela.

A conclusão é que não importa o tanto que você faz ou quem você é. O que realmente importa é o que aparenta ser. Café-da-manhã, bombons, almoços, músicas, companheirismo e todo o tipo de esforços não são tão valorizados como uma roupa e um corte de cabelo. Pra que tanto esforço? Esse é o erro dos homens honrados de bem. Quer ser valorizado e amado? Não se esforce tanto e não se importe tanto! Pegue o dinheiro que economizou para poder sair com ela, comprar presentes, chocolates ou algo assim e gaste consigo mesmo comprando roupas e indo ao barbeiro. Não só ela dará muito mais valor nisso como obviamente será tudo muito mais fácil para você
Finalizo este post indicando o artigo “Elas Gostam de Homens que Se Impõem” do blog Reflexões Masculinas. Pretendo mais para frente publicar mais artigos voltados ao masculinismo e falar um pouco sobre Nessahan Alita e sua genial obra.

Fonte: http://galacta.org/homem/quer-o-amor-de-sua-mulher-nao-se-esforce-tanto/

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

As nossas possibilidades de felicidade

Sigmund FreudÉ simplesmente o princípio do prazer que traça o programa do objectivo da vida. Este princípio domina a operação do aparelho mental desde o princípio; não pode haver dúvida quanto à sua eficiência, e no entanto o seu programa está em conflito com o mundo inteiro, tanto com o macrocosmo como com o microcosmo. Não pode simplesmente ser executado porque toda a constituição das coisas está contra ele; poderíamos dizer que a intenção de que o homem fosse feliz não estava incluída no esquema da Criação. Aquilo a que se chama felicidade no seu sentido mais restrito vem da satisfação — frequentemente instantânea — de necessidades reprimidas que atingiram uma grande intensidade, e que pela sua natureza só podem ser uma experiência transitória. Quando uma condição desejada pelo princípio do prazer é protelada, tem como resultado uma sensação de consolo moderado; somos constituídos de tal forma que conseguirmos ter prazer intenso em contrastes, e muito menos nos próprios estados intensos. As nossas possibilidades de felicidade são assim limitadas desde o princípio pela nossa formação. É muito mais fácil ser infeliz.O sofrimento tem três procedências: o nosso corpo, que está destinado à decadência e dissolução e nem sequer pode passar sem a ansiedade e a dor como sinais de perigo; o mundo externo, que se pode enfurecer contra nós com as mais poderosas e implacáveis forças de destruição; e, por fim, a relação com os outros homens. A infelicidade que esta última origina é talvez a mais dolorosa de todas; temos tendência para a considerar mais ou menos um suplemento gratuito, embora não possa ser uma fatalidade menos inevitável do que o sofrimento que provém das outras fontes.
Não é de admirar que, debaixo da pressão destas possibilidades de sofrimento, a humanidade esteja habituada a reduzir as suas exigências de felicidade, nem que o próprio princípio do prazer se modifique para um princípio da realidade mais acomodado sob a influência do ambiente externo. Se um homem se julga feliz, fugiu simplesmente à infelicidade ou a dificuldades. Em geral, a tarefa de evitar o sofrimento atira para segundo plano a de obter a felicidade. A reflexão mostra que há várias formas de tentar cumprir esta tarefa; e todas estas formas foram recomendadas por várias escolas de sabedoria na arte da vida e posta em prática pelos homens. A satisfação desenfreada de todos os desejos impõe-se em primeiro plano como o mais atractivo princípio orientador da vida, mas implica preferir o gozo à prudência e penaliza-se depois de uma curta satisfação. Os outros métodos, nos quais o evitar do sofrimento é o principal motivo, distinguem-se segundo a fonte de sofrimento contra a qual estão dirigidos. Algumas destas medidas são extremas e outras moderadas, algumas são unilaterais e outras tratam vários aspectos do assunto ao mesmo tempo. A solidão voluntária, o isolamento dos outros, é a salvaguarda mais rápida contra a infelicidade que possa surgir das relações humanas. Sabemos o que isto significa: a felicidade encontrada neste caminho é a da paz. Podemos defender-nos contra o temido mundo externo, voltando-nos simplesmente para uma outra direcção, se a dificuldade tiver que ser resolvida sem ajuda. Há na realidade um outro caminho melhor: o de cooperar com o resto da comunidade humana e aceitar o ataque à natureza, forçando-a a obedecer à vontade humana. Trabalha-se então com todos para o bem de todos.

Sigmund Freud, in 'A Civilização e os Seus Descontentamentos'

O que é a Matrix?

Tenho certeza que são pouquíssimos os homens no mundo que realmente entendam a Matrix. Os poucos que entendem seu conceito são os que já tiveram algum contato com a obra de Nessahan Alita ou com os blogs da Central Masculinista. Apesar do conhecimento da existência da Matrix já estar se espalhando, não encontrei ainda nenhum artigo detalhando especificamente o que é a Matrix.
Veja o diálogo entre Neo e Morpheu no filme Matrix:
Neo: O que é Matrix?
Morfeu: Você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda parte [...] é o mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.
Neo: Que verdade?
Morfeu: Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu em cativeiro. Nasceu em uma prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente.
O filme Matrix é praticamente uma analogia ao Mito da Caverna de Platão (ou Alegoria da Caverna). Para os que não conhecem, a alegoria da caverna mostra seres humanos que cresceram em uma caverna, acorrentados de modo que não pudessem mudar os olhos de direção, de que sempre veriam sombras do mundo exterior que se projetavam nas paredes da caverna. Eles não sabem que existe um mundo fora da caverna e por isso tem como sua única realidade aquelas sombras. Imagine que um daqueles consiga se libertar da corrente e sair da caverna. Ele se assustaria ao ver pela primeira vez o mundo e seu conhecimento da realidade seria um pesadelo no início (assim como tudo que é novo e contrário ao que acreditamos) mas com o tempo se acostumaria e tentaria mostrar aos outros o que descobriu. E as reações seriam sempre negativas, indo do deboche à violência. Essa alegoria foi usada por Platão para mostrar que o homem vive em ignorância e toma muitas coisas por verdade universal e que é importante conseguirmos superar essa ignorância.

O cenário é o mesmo nos relacionamentos. Desde o nascimento somos condicionados a viver dentro da Matrix, a tomá-la como uma única verdade universal e acreditar em suas ilusões. É a Matrix a principal causa do sofrimento emocional do homem, de levá-lo a crer em ilusões para depois arrancá-lo destas mesmas ilusões levando-o ao desespero, ao fundo do poço e, muitas vezes, até mesmo ao suicídio.
A Matrix antecede, ultrapassa e é criadora do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Leva homens a usarem o nome de Deus nas cruzadas com a mesma rapidez que os leva ao ateísmo. Leva homens ao altar com juras de amor eterno e mulheres aos prostíbulos e capas de revistas como Playboy com promessas de fama, fortuna e felicidade. É o produto criado pelas fraquezas do ser humano, pela dominação do forte pelo fraco com mentiras e ao mesmo tempo é criadora de todas essas fraquezas, mentiras e traições. Enfim, a Matrix é a mãe do relativismo, da hipocrisia, das ilusões. Sua força é proporcional à fraqueza e ao apego do homem pelas ilusões.

Nos relacionamentos, a Matrix é a responsável pela crença no amor romantico, em um relacionamento tranquilo, na pureza feminina. O matrixiano acredita com todas as forças que a mulher é um ser angelical, livre de falhas, perfeito em cada molécula de seu ser. As correntes da Matrix prendem o matrixiano com ganchos que perfuram a carne e a alma e inebriam os sentidos, levando o homem ao fundo do poço, ao sofrimento e à devastação da própria vida por migalhas de um amor que nunca existiu. As ilusões são tão tentadoras que mesmo atos pérfidos que refletem o lado obscuro das mulheres são ignorados, afinal, é quase impossível dar as costas para uma doce ilusão, mesmo quando estamos conscientes do absurdo presente na mesma.

O matrixiano despe-se de sua honra, de seu orgulho e, enfim, de seu amor próprio. Ele se humilha, se rebaixa e se entrega ao sofrimento da mesma forma que um mártir caminha para o próprio sacrifício. O sofrimento causado pela Matrix ofusca os objetivos e ambições de um homem. O matrixiano se deixa levar por paixões profanas querendo se sentir vivo para no final apenas conseguir essa sensação através da dor que sente. A matrix é reforçada no coletivo por filmes e livros de romance, músicas, poemas e frases de impacto que colocam o “amor” não retribuído acima do amor próprio. Músicas que idolatram o feminino, a paixão, as sensações, letras que dizem que é “melhor sofrer por amor do que nunca ter amado”, filmes onde a mulher traí o homem com outro e ainda assim aparece a cena clichê do apaixonado correndo atrás dela no aeroporto, são apenas alguns exemplos.

Mulheres não são seres angelicais e perfeitos. Assim como em todo ser humano, a mulher tem seu lado obscuro e esse lado obscuro é ainda mais sombrio e intenso que o do homem. Elas não são mais sensíveis do que nós, como tentam nos fazer acreditar. Na maior parte das vezes a sensibilidade feminina não passa de uma máscara, uma forma de lograr com o instinto de proteção masculino. Desde cedo elas aprendem por meio de observação e prática que com uma voz suave conseguem tirar tudo de um homem e que se não conseguem algo com uma voz doce, podem conseguir com o choro (se tudo falhar, elas sabem que ainda podem usar a sedução). Nós homens, ao contrário, somos obrigados desde cedo a nos fechar por dentro. Qualquer demonstração de sentimento é ridicularizado e visto como fraqueza emocional, mesmo pelas doces mulheres. Um homem que chora é considerado desequilibrado ou até mesmo boiola. Por esse motivo os homens ainda em idade tenra aprendem a controlar melhor seus sentimentos, mas isso não significa que não os tenha. Na verdade os sentimentos masculinos são ainda mais intensos que os femininos. Apenas os homens são verdadeiramente românticos e capazes de amar uma mulher de forma incondicional, enquanto a mulher nunca ama simplesmente pelo fato de ser amada, mas por algum interesse. A mulher se vê como um prêmio e acredita com todas as forças que o homem apaixonado é um ser débil e fraco e que justamente por seus sentimentos não a merece, pois ela apenas prêmia os que considera superiores, que segundo sua visão distorcida são os cafajestes, marginais, playboys etc. São sadomasoquistas por natureza, mesmo que não percebam conscientemente. Sentem prazer ao saber que estão fazendo um homem sofrer ao mesmo tempo em que sentem prazer quando sofrem na mão de um cafajeste. Em uma relação o homem busca a tranquilidade, enquanto a mulher busca emoções loucas e intensas.

Muitas, enquanto não encontram o “amor bandido” que tanto sonham, se valem das desculpas mais imbecis para brincar com os sentimentos do matrixiano, levando-o ao sofrimento e a loucura, o que é uma coisa perigosa não apenas para o matrixiano, mas também para a espertinha em questão. O relativismo matrixiano chega ao ponto de impedir ambas as partes de diferenciar dor e prazer. Porém, não é necessário que o homem saia da Matrix para uma mulher desonesta se dar mal. Muitas vezes um matrixiano bonzinho pode chegar ao limite e estourar, levando tudo a uma conclusão desastrosa (um exemplo são os crimes de honra, onde o corno assassina a adultera ao descobrir a traição). Podemos concluir que o relacionamento e a própria Matrix é, tanto para um homem apaixonado de bem quanto para uma mulher promíscua e desonesta, como a Caixa de LeMarchand (também conhecida como Configuração dos Lamentadores), que promete os prazeres do Céu e do inferno. E infelizmente a maioria das mulheres não quer saber qual desses “prazeres” receberá, contanto que os receba.

Para sair da Matrix o homem não deve apenas enxergar a realidade, mas também “morrer em si mesmo”. Matar suas emoções, seus medos e inseguranças, seu ego. O homem deve transcender as paixões mundanas, as emoções profanas, o narcisismo, o medo de morrer sozinho. Um homem de verdade é racional e coloca seus objetivos e metas acima de seus sentimentos. As mulheres não devem ser NUNCA o principal objetivo de um homem e sim uma companheira que estará ao seu lado apoiando-o na luta por seus objetivos. Se não for assim, então é melhor ficar sozinho, lembrando o ditado popular: “antes só do que mal acompanhado”.

Também devemos lembrar que a Matrix não ofusca o homem apenas nos relacionamentos, mas em tudo na vida, incluindo estudos e trabalho. Um exemplo da “Matrix profissional” é a tal meta comum hoje de muitos homens que desejam apenas se formar para prestar um concurso público ou começar a trabalhar o quanto antes para comprar uma casa, se casar e ter filhos e passar o resto da vida se matando em um emprego que odeia por um salário medíocre onde sua capacidade não é valorizada e tudo o que resta são os fins de semana assistindo os programas chatos e imbecis de domingo dos canais abertos. A “matrix profissional” impede o homem de tentar criar algo novo, de se aventurar no mundo dos negócios, de tentar abrir sua própria empresa. O trabalhador matrixiano se amarra fortemente na ilusão da segurança de um trabalho com carteira assinada e passa o resto da vida sem se livrar das amarras, preso com suas asas cortadas dentro de uma gaiola, invejando os que são livres para alçar vôo e alcançar o céu.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A Coragem de Seres Só

Agostinho da SilvaUma arma de triunfo te dei, sobre todas as outras: a coragem de seres só; deixou de te afectar como argumento ou força esmagadora a alheia opinião, as ligeiras correntes e os redemoinhos do mar; rocha pequena, mas segura, sobre ti se hão-de erguer, para que vençam a noite, as luzes salvadoras; não te prendem os louvores dos que te querem aliado, nem as ameaças dos contrários; traçaste a tua rota e hás-de segui-la até ao fim, sem que te desviem as variadas pressões. Só e constante, mesmo em face do tempo; os anos que rolam tu os consideras elemento de experiência; para os homens futuros episódios sem valor; se eles te abaterem, só terão abatido o que há de menos valioso; e contribuirão para que melhor se afirme o que puseste como lição da tua vida; a muitos absorve o actual; mas a ti, que tens como tua grande linha de cultura, e porventura tua alma, a posse das largas perspectivas, a hora começando te vê firme e firme te abandona. Nenhuma estóica rigidez neste teu porte; antes a compassada lentidão, a facilidade maleável de bom ginasta; não é por amor da Humanidade que hás-de perder as mais fundas qualidades de homem. Em tal espelho me revejo, eu que tomei tua alma incerta e a guiei; e contemplo como doce oferenda, como a mais bela visão que me poderias conceder, a clara manhã que já de ti desponta e lentamente progredindo há-de acabar por embalar o universo nos seus braços de luz.

Agostinho da Silva, in 'Considerações'

A Moral entre a Verdade a Subjetividade

Robert MusilUm homem que busca a verdade torna-se sábio; um homem que pretende dar rédea solta à sua subjectividade torna-se, talvez, escritor; e que fará um homem que busca algo que se situa entre essas duas hipóteses? Mas tais exemplos, os de algo que está «entre», encontramo-los em qualquer sentença moral, a começar pela mais simples e mais conhecida: «não matarás». Vê-se imediatamente que não é nem uma verdade nem uma experiência subjectiva. Sabe-se que, em muitos aspectos, nos conformamos estritamente a ela, mas que, por outro lado, se aceitam numerosas excepções, ainda que perfeitamente delimitadas; no entanto, num grande número de casos de um terceiro tipo - por exemplo na imaginação, na esfera dos desejos, nas peças de teatro ou no prazer que experimentamos ao ler as notícias dos jornais - deixamo-nos oscilar descontroladamente entre a aversão e a atracção.Por vezes aquilo a que não podemos chamar nem verdade nem experiência pessoal recebe o nome de imperativo. Tais imperativos foram associados aos dogmas da religião ou da lei, concedendo-lhes assim o carácter de uma verdade derivada, mas os romancistas narram as excepções, a começar pelo sacrifício de Abraão e terminando na bela mulher jovem que matou o amante a tiro, e dissolvem tudo isso de novo em subjectividade. Assim, ou nos agarramos a um qualquer mastro, ou nos deixamos andar ao sabor das ondas - mas com que sentimentos? O sentimento da maior parte das pessoas em relação a este preceito é um misto entre a obediência cega (incluindo a «tendência natural» dos que nem querem pensar numa coisa dessas, mas que, minimamente desviados do seu lugar pelo álcool ou pela paixão, o fazem sem hesitações) e o esbracejar inconsciente numa onda cheia de possibilidades. Não haverá mesmo outra maneira de entender aquela sentença moral?

Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

A Torpe Sociedade Onde Nasci

I

Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II

Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III

Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV

E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V

Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte...

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A Difusão das Falsas Doutrinas

Eckermann: O pior disso é que existem tantas doutrinas falsas que um jovem de talento não sabe a que santo se deveria dedicar. Goethe: Temos provas disso. Vimos gerações inteiras ser arrumadas ou prejudicadas por falsas máximas, assim como nós também sofremos. Hoje em dia, ainda por cima, existe essa facilidade de difundir todo o tipo de erro por meio da palavra impressa. Embora um crítico possa pensar melhor após alguns anos, e transmitir ao público conceitos mais aprimorados, as suas falsas doutrinas permaneceram vigentes entrementes, e, como ervas daninhas, continuarão a espalhar-se no futuro, ao lado do que é bom. O meu único consolo é que um talento realmente grande não se deixará desencaminhar ou estragar.

Johann Wolfgang von Goethe, in "Diálogos com Johann Peter Eckermann"

A Sociedade Destroça o Indivíduo

J.-M. G. Le ClézioTrata-se dum conjunto, dum todo, a sociedade, e, podre, uma vez que é preciso contar com ela ao mesmo tempo que se não deve contar. Quer dizer, é como um conjunto estável, composto por elementos instáveis. Ora é impossível viver no interior, sem sofrer essa instabilidade, esse monte de mentiras. Surge então o medo de utilizar o mínimo pormenor que participe dessa instabilidade. É a revolta. Você duvida do valor das palavras, dos gestos, do que representam as palavras, das ideias, das simples associações de ideias, dos sonhos e até da realidade, das sensações mais claras, mais agudas. Você duvida mesmo da sua dúvida, da organização que toma, da forma que adopta. Não lhe fica nada, nada. Já não é nada, é um camaleão, um eco, uma sombra. Isso é obra da sociedade, compreende?

J.-M. G. Le Clézio, in 'A Febre'

Os Livros Estão Sempre Sós

Ana HatherlyOs livros estão sempre sós. Como nós. Sofrem o terrível impacto do presente. Como nós. Têm o dom de consolar, divertir, ferir, queimar. Como nós. Calam a sua fúria com a sua farsa. Como nós. Têm fachadas lisas ou não. Como nós. Formosas, delirantes, horrorosas. Como nós. Estão ali sendo entretanto. Como nós. No limiar do esquecimento. Como nós. Cheios de submissão ao serviço do impossível. Como nós.

Ana Hatherly, in 'Tisanas'

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

The Turin Horse

- Por que não vai para a cidade?
- O vento a levou...
- Como assim?
- Ela está arruinada.
- Por que ela está arruinada?
- Por que tudo está em ruínas. Tudo está arruinado mas posso dizer que foram eles que arruinaram e degradaram tudo. Porque esse tipo de cataclisma não viria sem uma inocente ajuda humana. Pelo contrário, estou falando da mente humana, da capacidade de julgar a si mesma. E claro que Deus tem uma mão nisso, ou, ouso dizer: tem parte nisso. E, seja qual for a sua parte, é a criação mais horrível que se pode imaginar. Porque, você vê, o mundo foi degradado. Então não importa o que eu digo porque tudo foi degradado assim que foi adquirido, e visto que eles adquiriram tudo de forma sorrateira, insidiosa, eles degradaram tudo. Porque tudo que eles tocam, e eles tocam tudo, foi degradado. E assim será até o triunfo final, até o triunfante final. Adquire, destroi. Destroi, adquire. Posso escolher outras palavras, se você quiser: toca, destroi e com isso adquire, ou toca, adquire e então destroi. E tem sido assim por séculos. Sempre, sempre e sempre. Às vezes dissimuladamente, às vezes arrogantemente, às vezes delicadamente, às vezes violentamente, mas sempre e sempre. Sempre da mesma forma, como um ataque de ratos em uma emboscada. Porque, para sua vitória perfeita foi importante a colaboração do outro lado. Ou seja, tudo que é excelente, grande de certa maneira e nobre não deve participar de qualquer batalha. Não deve haver luta, o simples desaparecimento repentino de um lado, significa o desaparecimento de tudo o que é excelente, grande e nobre. De modo que esses vencedores que atacam de emboscada, agora governam a terra, e não haverá um único canto onde poderá se esconder deles, porque tudo em que eles puderem por a mão é deles. Até as coisas que pensamos que não podem alcançar, mas eles alcançam, também são deles. Porque o céu pertence a eles, e todos os nossos sonhos. Deles é o momento, a natureza, o silêncio infinito. Até mesmo a imortalidade é deles. Tudo, tudo está perdido para sempre! E essa multidão de nobres, grande e excelente, permanece lá, se assim posso me expressar. Eles pararam nesse ponto e tiveram que entender, e tiveram que aceitar que não há nem Deus nem Deuses. E o excelente, o grande e o nobre foram obrigados a entender e aceitar este fato desde o início. Mas é óbvio que eles não foram capazes de entender. Eles acreditaram e aceitaram, mas não conseguiram entender. Permaneceram ali, perplexos, mas não resignados, até que alguma coisa, aquela centelha do cérebro, finalmente iluminou-os. E de repente perceberam que não há Deus ou Deuses. De repente eles viram que não há bons ou maus. Então eles viram e entenderam que se isso for verdade, então eles mesmos não são nada. Veja, eu acho que isso pode acontecer no momento em que possamos dizer que eles estão extintos, queimados. Extintos e queimados como o fogo faz ao arder lentamente no prado. Um é sempre o perdedor, o outro é sempre o vencedor. Derrota, vitória, derrota, vitória, e um dia, aqui na vizinhança, fui obrigado a perceber, e percebi, que estava enganado, estava verdadeiramente enganado quando pensei que nunca houve e nem poderia haver nenhuma mudança no futuro. Porque, acredite em mim, agora eu sei, que essas mudanças já ocorreram.
- Deixa isso pra lá, isso é bobagem.