sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Além do bem e do mal - Capítulo primeiro - Dos preconceitos filosóficos - Par. 30

É inevitável - e justo - que nossas mais altas intuições pareçam bobagens, em algumas circunstâncias delitos, quando chegam indevidamente aos ouvidos daqueles que não são feitos e predestinados para elas. O exotérico e o esotérico, como os filósofos distinguiam em outro tempo, entre os indianos e também os gregos, entre os persas e os muçulmanos, em toda parte onde se acreditava em hierarquia, e não em igualdade e direitos iguais, - não se diferenciam tanto pelo fato de que o exotérico fica de fora e vê, estima, mede, julga a partir de fora, não de dentro: o essencial é que ele vê as coisas a partir de baixo, - e o esotérico, a partir de cima! Existem alturas da alma, de onde mesmo a tragédia deixa de ser trágica; e, se as dores do mundo fossem juntadas numa só, quem poderia ousar dizer que a visão dela nos iria necessariamente seduzir e obrigar à compaixão, e desse modo à duplicação da dor?... O que serve de alimento ou de bálsamo para o tipo superior de homem, deve ser quase veneno para um tipo bem diverso e menor. As virtudes de um homem vulgar talvez significassem fraqueza e vício num filósofo; é possível que um homem de alta linhagem, acontecendo ele degenerar e sucumbir, só então adquirisse as qualidades que o levariam a ser venerado como um santo, no mundo inferior a que teria descido. Há livros que têm valor inverso para a alma e a saúde, a depender de quem os utiliza, se uma alma ignóbil, uma baixa força vital, ou uma superior e mais potente; no primeiro caso são livros perigosos, desagregadores, dissolventes, no outro são gritos de arauto, que incitam os mais valentes a mostrar o seu valor. Livros de todo mundo sempre são livros malcheirosos: o odor da gente pequena adere a eles. Ali onde o povo come e bebe, o mesmo onde venera, o ar costuma feder. Não se deve frequentar igrejas, quando se deseja respirar ar puro.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O passarinho engaiolado

Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho. De sua vida o mínimo que se poderia dizer era que era segura e tranquila,  como seguras e tranquilas são as vidas das pessoas bem casadas e dos  funcionários públicos
.
Era monótona, é verdade. Mas a monotonia é o preço que se paga pela  segurança. Não há muito o que fazer dentro dos limites de uma gaiola, seja  ela feita com arames de ferro ou de deveres. Os sonhos aparecem, mas logo  morrem, por não haver espaços para baterem suas asas. Só fica um grande  buraco na alma, que cada um enche como pode. Assim, restava ao passarinho  ficar pulando de um poleiro para outro, comer, beber, dormir e cantar. 

O seu canto era o aluguel que pagava ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola. Bem se lembrava do dia em que, enganado pelo alpiste, entrou no alçapão. Alçapões são assim; tem sempre uma coisa apetitosa dentro. Do alçapão para a gaiola, o caminho foi curto, através da Ponte dos Suspiros. Há aquele famoso poema do Guerra Junqueiro, sobre o melro, o pássaro das  risadas de cristal. O velho cura, rancoroso, encontrara seu ninho e prendera seus filhotes na gaiola. A mãe, desesperada com o destino dos filhos, e
incapaz de abrir a portinha de ferro, traz no bico um galho de veneno. Meus filhos, a existência é boa só quando é livre. A liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa... Ó filhos, voemos
pelo azul...! Comei...!

É certo que a mãe do passarinho nunca lera o poeta, pois o que ela disse ao  filho, foi: Finalmente minhas orações foram respondidas. Você está seguro, pelo resto de sua vida. Nada há a temer. Não é preciso se preocupar. Acostuma-se. Cante bonito. Agora posso morrer em paz.

Do seu pequeno espaço ele olhava os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores com seu mágico bater de asas; os urubus nos seus vôos tranquilos da fundura do céu; as rolinhas arrulhando, fazendo amor. As pombas voando como flexas. Ah! Os prudentes conselhos maternos não o tranquilizavam. Ele queria ser como os outros pássaros, livres...Ah! se aquela maldita porta se abrisse. Pois não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono a esqueceu aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre! Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto. Sentiu um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para Ter mais firmeza. Viu uma outra árvore mais adiante. Teve vontade de ir até la. Perguntou-se se suas asas aguentariam. Elas não estavam acostumadas. O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente ainda. Neste momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era bobo. Sumiu mostrando a língua.

__ Ei, você __ era uma passarinha. __ Vamos voar juntos até o quintal do vizinho. Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Apenas é preciso prestar atenção no gato, que anda por lá...Só o nome gato lhe deu arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde sua gaiola ficava dependurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com seus estilingues, no dia seguinte.

Tremeu de medo. Nunca imaginaria que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem gozar a liberdade aqueles que têm coragem. Ele não tinha. Teve saudade da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta. 

Neste momento chegou o dono. Vendo a porta aberta, disse: __ Passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta. Deve estar meio cego. Pois passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar.

Rubem Alves
In TEOLOGIA DO COTIDIANO
Meditações sobre o Momento e a Eternidade

terça-feira, 25 de outubro de 2011

QUERO MAIS É QUE SE FODA

Tô de saco cheio da sua lamúria, espúria,

O mundo virou um Cover dele mesmo.
 Esse papo de quem ta sofrendo uma dor de cu universal.
O tempo todo a mesma ladainha.

Disputando quem é sofre mais  
Ou quem mais enganou quem.
Não se fala de outro assunto,

Minto,

Tem a tal da alegria falsificada
Ostentação do sorriso por condição
Todo mundo é gente boa,
Mas o país ta fudido
E se já ta fudido, então para quê  lembrar?

Vamos dançar, comemorar, sair do chão
Feito um bando de desesperados felizes

Cornos de uma nação,
Que nos largou de lado e foi alimentar o amante, na cara dura
E ninguém fez nada,
Temos até certo orgulho em sofrer
E se sofrer é doído, então vamos cantar, beber e esquecer
Porque não tem mais jeito mesmo,
Já ta todo mundo na merda.

O que eu posso fazer?
- Você se pergunta -
Nada, apenas reclamar em casa ou com os amigos.
Então me deixa ser otário em paz,
Me deixa lembrar esse amor partido
Meu coração cheio de esperança,
Lá no fundo, querendo que ela volte.

- Mas ela não esta nem aí pra você seu otário
Já ta dando para outro
E você cantarolando essas musiquinhas de adolescente apaixonado
Apaixonado e bundão,
Mas não por estar apaixonado
Porque já nasceu Trouxa e acha isso o máximo.

Porque vocês já nascem condicionados,
Um bando de fedelhos, sofrendo de amor.

Morre desse amor então seu filho da puta,
Ostenta seu cotovelo dolorido
Vende essa lamúria de Butique
Porque o remédio do desespero, é sofrer feliz, para esquecer de sofrer.

Foda-se
Pro inferno vocês todos

Me deixa aqui, revoltado.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Daily Míllor - Ideologia

Não é prudente nem econômico! Abandonar uma ideologia só porque ela saiu de moda. Pois ela é, no fundo, a própria moda. O que você tem a fazer é encurtar um pouco a bainha, ou mandar tingir de outra cor, talvez alargar um pouco aqui assim, nos ombros, alargar a cintura (a gente era mais jovem), colocar uns babados, e pronto!, A ideologia está de novo ápitudeite. Você pode ir com ela ao baile sem nenhuma vergonha. Ninguém vai notar que está com mais de 10 anos de uso.

(via @millorfernandes / http://www2.uol.com.br/millor/)

Dicionário Irrefletido - Parte II

História — Uma coisa que não aconteceu contada por alguém que não estava lá.

Ideologia — Bitola estreita para orientar o pensamento. Não existe pensador católico. Não existe pensador marxista. Existe pensador. Preso a nada. Pensa, a todo risco. A ideologia leva à idolatria, à feitura e adoração de mitos. E, finalmente, ao boquete ideológico.

Justiça — Sistema de leis legalizando a injustiça.

Lapidar — Verbo antigamente usado para atirar pedras em mulheres adúlteras. Hoje, desmoralizado no ocidente como punição, serve como prêmio e alto elogio: "Teu artigo, escritor, é lapidar". Também usado nos cemitérios (nas lápides) para elogios fúnebres. Não há canalhas nos cemitérios.

Medida — "Todo homem nasce duas doses abaixo do normal." (Humphrey Bogart)

Meyer — Bairro do Rio de Janeiro. Quando nasci, o Meyer era o umbigo do mundo. Vivíamos com a consciência, inconsciente, de que nunca teríamos que abandonar o bairro e a cidade (como muito mais tarde eu iria aprender que era o normal na maior parte das cidades pobres e tristes do Brasil) para sobreviver.

Ofensas — "O perdão às ofensas é uma grande virtude." (Moralismo tedioso de Machado de Assis. Do livro Pensamentos e reflexões de Machado de Assis)

Pão — O pão que o diabo amassou. Expressão incompreensível pois em nenhum lugar da Bíblia ou da História se diz que o Diabo era padeiro.

Propaganda — A madrasta da prostituição.

Televisão — Maravilha tequinológica que levou ao extremo o barateamento da popularidade. Criando a glória prêt-à-porter.

Variante — O gay põe sempre o carro adiante dos boys. Tem mais dicionário

(via @millorfernandes)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O paradoxo da afetividade

Cesare PaveseO erro dos sentimentais não está em crer que existem «ternos afectos», mas em se considerarem com direito a esses afectos, em nome da sua própria natureza. Enquanto apenas as naturezas duras e resolutas sabem criar à sua volta um círculo de ternas afeições. E é evidente - tragédia - que essas o gozam menos. Quem tem dentes, etc.

Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"

Ninguém sabe coisa alguma

Philip RothPorque nós não sabemos, pois não? Toda a gente sabe. O que faz as coisas acontecerem da maneira que acontecem? O que está subjacente á anarquia da sequência dos acontecimentos, às incertezas, às contrariedades, à desunião, às irregularidades chocantes que definem os assuntos humanos? Ninguém sabe, professora Roux. «Toda a gente sabe» é a invocação do lugar-comum e o inimigo da banalização da experiência, e o que se torna tão insuportável é a solenidade e a noção da autoridade que as pessoas sentem quando exprimem o lugar-comum. O que nós sabemos é que, de um modo que não tem nada de lugar-comum, ninguém sabe coisa nenhuma. Não podemos saber nada. Mesmo as coisas que sabemos, não as sabemos. Intenção? Motivo? Consequência? Significado? É espantosa a quantidade de coisas que não sabemos. E mais espantoso ainda é o que passa por saber.

Philip Roth, in "A Mancha Humana"

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Revista Cultural N12 – Entrevista Tico Santa Cruz

Poucos artistas mantêm uma postura crítica diante dos abusos políticos dos quais sofre o brasileiro. Nesse universo, Tico Santa Cruz é a exceção, pois tem coragem de colocar a cara para bater com argumento inteligente, entendendo o quanto que nosso Brasil poderia ser melhor. Tico Santa Cruz é o
vocalista da banda Detonautas Roque Clube, uma banda de rock de verdade, que está na estrada há mais de uma década nos brindando com música de ótima qualidade. Leia a entrevista abaixo:

Novitas – Tico, a indústria musical de hoje, prefere o estilo fast food de música de fácil assimilação e que, principalmente, não acrescentam nada para quem ouve, sendo mais importante a aparência que a letra em si. Esse tipo de postura é pautado pela indústria musical ou pelo público que não se importa mais tanto com a qualidade musical?
Tico Santa Cruz – Podemos dizer que o comércio em geral é pautado pela política do consumo rápido e fácil. O ensino também se tornou “Fast Food” com escolas e universidades que pouco se importam com a formações dos jovens. Com a velocidade da informação e da produção de produtos em todos os setores, quem é que quer perder tempo com algo que precise de uma atenção mais concentrada? Quem quer se aprofundar e deixar de acompanhar as novidades que surgem a cada segundo? O que me assusta, com relação aos artistas, é que se antes existia um comprometimento com o que se produzia para poder vender, hoje se vende de qualquer maneira. Números, seguidores, curtições nas redes sociais são o que importa, o conteúdo ficou num plano qualquer.

Novitas – Banalização musical é um bom termo para qualificar a irrelevância de nosso cenário hoje em dia?
Tico Santa Cruz – Glamourização do nada. É cultuar qualquer coisa que se destaque sem se importar com o que esta sendo disseminado. Basta oferecer alguma pauta para sites e revistas de futricos e já se torna o suficiente para arrebanhar admiradores. Quanto mais coisa inútil ocupar os espaços nas vidas das pessoas, menos conhecimentos importantes terão seus valores reconhecidos. É uma ótima tática de robotização da juventude. Assim, ninguém incomoda os que dão as cartas.

Novitas – Rádios, programas de televisão, prêmios e gravadoras lançam bandas e cantores basicamente para atender ao público teen, perdendo o público adulto e que realmente consome cd´s e dvd´s para a internet e/ou para o cenário independente. Fazendo uma projeção pessoal, a indústria musical conseguirá manter esse cenário por quanto tempo?
Tico Santa Cruz – As gravadoras não tem mais qualquer influência sobre o que a juventude esta consumindo. Na verdade, eles estão apenas filtrando o que pode render algum lucro e apostando suas últimas fichas. A internet passou a ser a plataforma principal, o que a meu ver é algo positivo. O problema é que existe um paradoxo ainda sem solução a curto prazo, porque ao mesmo tempo que se tem liberdade e uma super-produção de material, o negócio fica extremamente diluído e raso. Observe o que tem mais acesso na rede: piadas, vídeos engraçados, blogs de fofocas, entretenimento sem compromisso com conhecimento. O entretenimento precisa necessariamente ter compromisso com alguma mensagem ou algum questionamento? Respondo: Absolutamente. Mas o problema é quando isso se torna o único e sedutor caminho. Todo mundo virou piadista, Quem oferece um conteúdo diferente, tem visivelmente menos espaços. É assim na música também. O cenário já mudou e quando terminar de ler esta entrevista, já terá mudado novamente. Temos que correr para nos adaptarmos.

Novitas – Pessoas que apreciam o bom e velho Rock and Roll sabem que algumas bandas equivocam-se quando se batizam como bandas de Rock. Você acredita que essa tentativa de “mutação” do Rock acontece só no Brasil ou em outros países, também?
Tico Santa Cruz – O Brasil sempre será como a Alegoria das Cavernas de Platão (risos), porque o que vemos aqui é o reflexo, a cópia do que esta fazendo sucesso lá fora. Essa infantilização do Rock é um percurso que começou logo após o fim do Movimento Grunge, talvez o último que tenha realmente alguma relevância em termos de estética como foi o Punk, o HardRock, o Metal. Uma outra vertente veio em paralelo, já de forma independente e que tem valor na cena, que são os “Indies”. Embora não compartilhe do gosto musical deles, reconheço que conseguiram erguer uma nova safra de bandas com algo interessante para movimentar. Mas o que a massa consome é o que a TV e o Rádio disseminam, e estes estão preocupados apenas com os lucros e a audiência. Dessa forma, até que alguém desperte e perceba o mecanismo, muitos cérebros já terão sido derretidos.

Novitas – A banda Detonautas Roque Clube é uma das que representam o que existe de melhor no Rock Brasileiro, pois, além do instrumental e voz fantásticos vocês nos brindam com músicas de letra relevante. Vocês já receberam várias indicações e prêmios de destaque, durante toda essa década de caminhada. Como é para vocês participar do Rock in Rio, se transformando na primeira banda do cenário independente a tocar no palco principal?
Tico Santa Cruz – O Detonautas é uma banda muito pouco conhecida em seu conteúdo real. Isso é realmente intrigante, mas compreensível, porque aprendi com Raul Seixas que se você quer entrar em buraco de rato, de rato você tem que transar. Então, depois de perder a inocência que é comum a todo artista que sonha em viver da sua musica, tocar no Rádio e aparecer na TV, você fica um pouco confuso. Como manter a qualidade e conseguir fazer o jogo deles, sem perder sua essência e contaminar seus valores? No meio disso tudo, recebemos fortes resistências após o segundo disco. Chegamos a ouvir de uma grande emissora de rádio que nosso conteúdo era profundo demais para seus ouvintes. Sinceramente? Além de perceber que esses homens tratam seus ouvintes como idiotas, tenho certeza absoluta que minhas letras não são tão eloquentes a ponto de obter tal rótulo. O negócio esta tão feio que daqui a pouco “Quando o sol se for” que é uma canção adolescente, de uma fase totalmente descompromissada com qualquer conteúdo mais profundo, irá se tornar um clássico da poesia.
Estamos felizes com o Rock in Rio, porque comprova que não precisamos puxar saco de ninguém e muito menos fazer politicagem para garantir espaços importantes. Mas, se eu tivesse mendigado votos e iludido meus fãs e seguidores com um amor fajuto, com certeza estaria num patamar mais popular.
Não acredito nessas premiações, desde 2003 quando fomos eleitos Revelação da MTV. Falo isso por experiência e conhecimento. Um dia revelo tudo num livro bomba.

Novitas – Vocês lançaram a música AC/DC fazendo uma versão sobre a música Back in Black, um clássico dos velhinhos AC/DC. Por que você acha que gerou tanta polêmica esse fato, sendo que outras bandas já fizeram o mesmo?
Tico Santa Cruz – Porque nós mexemos na ferida de quem esta ganhando dinheiro com essa geração que criticamos. Quando você mexe no bolso de alguém isso gera problemas e polêmicas.

Novitas – A música Combate está sendo um tremendo sucesso e fará parte do novo CD de vocês. Mais músicas do próximo CD serão liberadas?
Tico Santa Cruz – Não estamos preocupados com o formato tradicional dos CDs, vamos lançar uma musica por mês e isso fomentará o interesse dos fãs a medida que o trabalho for se desenvolvendo. Os downloads serão gratuitos, de forma que você poderá escolher seu playlist. No fim do processo, montaremos então um disco e distribuiremos de graça nos shows, faremos uma edição especial com um material um pouco mais trabalhado para quem quiser comprar e ter como lembrança da banda.

Novitas – Muitos gostam de ligar a música ao ambiente histórico em que ela surge. Assim, tivemos as músicas de protesto de Geraldo Vandré, Chico Buarque e muitos outros que, durante a época da Ditadura Militar, eram as vozes que eram destaque nas rádios. Hoje em dia não há ditadura formal, mas sim uma espécie de imposição política de vontades. E, com exceção da tua, por onde andam as vozes que deveriam cutucar as feridas do povo, fazendo-o acordar?
Tico Santa Cruz – Existem, mas como disse, tem poucos espaços. Mv Bill é um musico que consegue transcender as barreiras, Marcelo D2, O Rappa, Charlie Brow Jr, Natiruts, são bandas que tem conteúdo político em suas músicas. Talvez o discurso não chegue aos ouvidos da massa, mas está lá. E dos anos 80 temos um monte de artistas que se manifestaram tanto musicalmente quanto socialmente. Posso estar esquecendo outros nomes importantes, mas da minha geração pra frente no mainstream, desconheço quem meta a cara e esteja tratando desses assuntos sem rabo preso.

Novitas – O Tico Santa Cruz pessoa física, também conhecido como Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, já pensou em ingressar na política e tentar mudar as coisas de dentro para fora?
Tico Santa Cruz – Preciso amadurecer e ter mais jogo de cintura para conseguir me ver num cargo político. Política é uma arte, a arte de saber falar e de se calar, para em outra vez soltar as palavras no momento certo. Ainda estou num estágio que não sou capaz de ver algo e me calar. Preciso aprender a agir com um pouco mais de cautela, tenho consciência disso. Mas não viro as costas para política, mesmo que não atue por um partido, estou atuando como cidadão. Procurem pelo Voluntários da Pátria. Meu grupo de Ação política, social, cidadã que leva literatura, música e debates sobre todos estes temas às escolas, faculdades, presídios e outros lugares onde existam jovens interessados em argumentar e questionar com conteúdo.

Novitas – Agradar gregos e troianos é sabidamente impossível, assim como conviver pacificamente com ambos, pois as zonas neutras hoje são chamadas simplesmente de muro. Acredita que há como equilibrar forças políticas e fazer que nosso país avance para alguma direção, sem ficar dando cabeçadas nas mesmices e suas regras já meio que fora de moda?
 Tico Santa Cruz – Acredito que há momentos em que precisamos ser radicais. Mas o radicalismo tem de ser inteligente. Não deve ser gratuito e nem atingir pessoas, mas sim idéias. Não faço questão de agradar injustos, nem de fazer tipo para parecer simpático. Tenho minhas convicções, podem estar erradas, se perceber que estou equivocado sou capaz de repensar e mudar minha postura, mas pra isso será necessário um bom argumento que me faça refletir. É o que tento fazer, oferecer outros argumentos, outras abordagens, mas não sou dono da verdade e nem quero convencer ninguém, apenas tento deixar a pulga atrás da orelha. Cada um encontrará seu caminho.

Novitas – A imobilidade brasileira atingiu o topo, onde errado é o artista que convoca as pessoas para protestar. Disso, surgem as agressões gratuitas, principalmente na internet. Como você se sente quando isso acontece?
Tico Santa Cruz – Me sinto o idiota no país dos espertos.

* Essa entrevista foi relizada antes do Rock in Rio

http://revistasnovitas.com.br/2011/10/revista-cultural-n12-entrevista-tico-santa-cruz/

A criação de deus como travão aos instintos

Friedrich NietzscheUma obrigação para com Deus: esta ideia foi porém o instrumento de tortura. Imaginou-se Deus como um contraste dos seus próprios instintos animais (do homem) e irresistíveis e deste modo transformou estes instintos em faltas para com Deus, hostilidade, rebelião contra o «Senhor», «Pai» e «Princípio do mundo», e colocando-se galantemente entre «Deus» e o «Diabo» negou a Natureza para afirmar o real, o vivo, overdadeiro Deus, Deus santo, Deus justo, Deus castigador, Deus sobrenatural, suplício infinito, inferno, grandeza incomensurável do castigo e da falta. Há uma espécie de demência da vontade nesta crueldade psíquica. Esta vontade de se achar culpado e réprobo até ao infinito; esta vontade de ver-se castigado eternamente; esta vontade de tornar funesto o profundo sentimento de todas as coisas e de fechar a saída deste labirinto de ideias fixas; esta vontade de erigir um ideal, o ideal de «Deus santo, santo, santo», para dar-se meçhor conta da própria indignidade absoluta... Oh, triste e louca besta humana!A que imaginações contra natura, a que paroxismo de demência, a que a bestialidade de ideia se deixa arrastar, quando se lhe impede ser besta de acção!... Tudo isto é muito interessante, mas quando se olha para o fundo deste abismo, sentem-se vertigens de tristeza enervante. Não há dúvida de que isto é uma doença, a mais terrível que tem havido entre os homens e aquele cujos ouvidos sejam capazes de ouvir, nesta negra noite de tortura e de absurdo, o grito de amor, o grito de êxtase e de desejo, o grito de redenção por amor, será presa de horror invencível... Há tantas coisas no homem que infudem espanto! Foi por tanto tempo a terra um asilo de dementes!

Friedrich Nietzsche, in 'A Genealogia da Moral'

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Uma vida feliz

Stuart MillUma condição de exaltado prazer somente se mantém por momentos ou, em alguns casos, e com algumas interrupções, por horas ou dias. Ela é o brilhante clarão ocasional da alegria, e não a sua chama firme e constante. Disso sempre estiveram tão cientes os filósofos que ensinaram ser a felicidade a finalidade da vida como aqueles que a eles se opuseram. A felicidade que concebiam não era a do arrebatamento, mas de momentos assim em meio a uma existência constituída de poucas e transitórias dores, muitos e variados prazeres, com um predomínio decidido do componente activo sobre o passivo, e tendo como fundamento do todo não esperar da vida mais do que ela é capaz de oferecer. Uma vida assim constituída, para aqueles que tiveram a boa fortuna de obtê-la, sempre pareceu merecedora da designação de feliz. E uma existência assim é, mesmo hoje em dia, o destino de muitos durante uma parte considerável de suas vidas. A educação falida e os arranjos sociais falidos são os únicos obstáculos reais que impedem que isso esteja ao alcance de quase todos.

John Stuart Mill, in 'Utilitarismo'

A genética condiciona a felicidade

Friedrich NietzscheUma era de felicidade simplesmente não é possível porque as pessoas querem apenas desejá-la, mas não possuí-la, e cada indivíduo aprende durante os seus bons tempos a de facto rezar por inquietações e desconforto. O destino do homem está projetado para momentos felizes — toda a vida os têm —, mas não para eras felizes. Estas, porém, permanecerão fixadas na imaginação humana como "o que está além das montanhas", como um legado de nossos ancestrais: pois o conceito de uma era de felicidade foi sem dúvida adquirido nos tempos primordiais, a partir da condição em que, depois de um esforço violento na caça e na guerra, o homem se entrega ao repouso, estica os membros e sente as asas do sono roçando a sua pele. Será uma falsa conclusão se, na trilha dessa remota e familiar experiência, o homem imaginar que, após eras inteiras de labor e inquietação, ele poderá usufruir, de modo correspondente, daquela condição de felicidade intensa e prolongada.

Friedrich Nietzsche, in "Humano, Demasiado Humano"

O absurdo do cúmulo da felicidade

O Absurdo do Cúmulo da Felicidade Agora pergunto-lhe: o que podemos esperar do homem enquanto criatura dotada de tão estranhas qualidades? Faça chover sobre ele todos os tipos de bênçãos terrenas; submerja-o em felicidade até acima da cabeça, de modo que só pequenas bolhas apareçam na superfície dessa felicidade, como se em água; dê a ele uma prosperidade económica tamanha que nada mais lhe reste para ser feito, excepto dormir, comer pão-de-ló e preocupar-se com a continuação da história mundial — mesmo assim, por pura ingratidão, por exclusiva perversidade, ele vai cometer algum acto repulsivo. Ele até mesmo arriscará perder o seu pão-de-ló e desejará intencionalmente o mais depravado lodo, o mais antieconómico absurdo, simplesmente a fim de injectar o seu fantástico e pernicioso elemento no âmago de toda essa racionalidade positiva.

Fiodor Dostoievski, in "Notas do Subterrâneo"